Os sertanejos no afã das lives marketing

Publicado em 4 de maio de 2020

No dia do Sertanejo no Brasil, a professora Kátia Balduíno, de Publicidade e Propaganda, analisou a relação do Live Marketing com os shows virtuais envolvendo cantores do gênero nesta pandemia

Talvez, neste momento presente, essa categoria de artistas nunca tivesse tido tanto destaque quanto em tempo de lives na quarentena. Este destaque a meu ver, deve-se a inúmeros fatos, dentre eles a entrega de entretenimento para seus fãs, a intenção de arrecadação para auxílio e ajuda ao próximo, a apropriação efetiva das estratégias de marketing digital, bem como ao novo contexto da publicidade atuante na esfera da lives.

No contexto do digital, me parece oportuno avaliar a cadeia produtiva dos sertanejos sem preconceitos, uma vez que antes destes, as lives eram apenas momentos caseiros gravados em câmeras de celular, sem nenhuma contrapartida monetária. Estas lives se enquadram no contexto do tecnológico, do digital, e parece-me notório que a tecnologia, desde sempre é geradora de oportunidades para empresas e marcas – lembrando que os artistas também se configuram como marca. De que forma as tecnologias atuam?

A exemplo, na própria Revolução industrial ocorrida na Europa entre os séculos XVIII e XIX, onde a principal mudança se ateve ao uso de maquinários em substituição ao trabalho artesanal, é possível observar que a tecnologia ali também atuou de maneira significativa. Desde maquinários à dinâmicas digitais de comunicação, quase é perpassado por uma evolução gradativa da tecnologia, o que de certa forma altera o comportamento humano. Dito de outra forma, a tecnologia atua diretamente nas modificações do comportamento humano. Não fosse assim, o surgimento do rádio, da TV, do cinema, dos jornais, revistas e da própria internet não teriam mudado nossa forma de ver e viver no mundo.

Apenas para contextualizar estas modificações humanas, trago aqui a reflexão de importantes teóricos, como Muniz Sodré, Genosko, Debra Show, Lister entre tantos outros, que utilizam a expressão “Tecnocultura” para compreender os efeitos da tecnologia sobre a humanidade. Boa parte deste teóricos adotam a tecnocultura como a análise da expressão da relação entre cultura e tecnologia nos padrões de vida social, na ciência, nas estruturas econômicas, na comunicação, na literatura e na arte. Mas, por qual motivo trazer esta temática para esta análise? O fato é que corroboramos com estes teóricos, ao analisar a tecnologia como impactante no comportamento humano e, diante do desenvolvimento tecnológico é possível observar que nenhum mercado está isento de transformações, e no setor da música, da mídia, e de outros tantos, não é diferente.

Ao analisarmos o contexto das lives em cenário de pandemia imposta pelo novo coronavirus, observa-se que uma parcela considerável da humanidade se trancou em casa, aprofundando mudanças já detectadas nos últimos anos. Uma destas mudanças é o tempo gasto das pessoas vendo conteúdos feitos especialmente para a internet. As transmissões ao vivo, mais conhecidas como lives, ganharam destaque, uma vez que estimulam a interatividade, fazem companhia e muitas vezes, oferecem formatos semelhantes àqueles que o público já se acostumou a ver nos canais convencionais de televisão. Uma coisa é fato: Quanto mais diante da tecnologia estamos, mais a live marketing alcança bons resultados, a exemplo da quarentena.

Mas, qual é efetivamente o conceito de live marketing? De acordo com Silvana Torres (fundadora e presidente da Mark Up) live marketing “é uma nomenclatura que fala muito mais com o consumidor, mais coerente ao que está acontecendo com a ferramenta, que é o ao vivo, interação, real time, experiência. É emoção, relacionamento”. Ou seja, é um conjunto de ações que são utilizadas para gerar mais interação com os seus públicos, de modo que esse engajamento proporcione fidelização à marca e, consequentemente, mais vendas. No cenário da música sertaneja não me parece diferente.

Artistas sertanejos a exemplo de Gusttavo Lima apostaram em produções bastante sofisticadas. Seus shows online bateram recordes de audiência nas redes sociais. Com patrocínio de marcas de bebida e de outros diversos produtos, posicionaram as lives como um atraente filão para ações de marketing, monetizando de maneira altamente lucrativa esta ferramenta. Em uma das lives de Gusttavo Lima, uma importante marca de cerveja entrou no contexto e teve sua participação publicitária durante todo o show, com garrafas dispostas em um balde, Combi performática além do próprio artista agradecendo incansavelmente à marca patrocinadora.

A peculiaridade do meio sertanejo de se movimentar, absorvendo rapidamente um case e o transformando em padrão, criou, em uma semana atípica, uma receita com potencial para viabilizar carreiras, conseguir doações e ajudar a criar um circuito complementar ou até mais forte do que os shows ao vivo. Porém, quanto maior a interatividade do público (para bem ou para mal), quanto maior a visibilidade, maior a quantidade de avaliações do conteúdo exposto.

Foi exatamente esta visibilidade que levou o CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, a uma análise detalhada da live de Gusttavo Lima. O cantor está respondendo a representação ética contra ações publicitárias de bebida alcóolica nas suas lives e não por ter bebido demais, como tem afirmado alguns sites de notícias e o próprio Gusttavo. Estas imposições éticas feitas pelo CONAR não são recentes, estão presentes em seu código que foi publicado em 05 de maio de 1980. De acordo com o CONAR e portanto totalmente conhecida por artistas de diferentes segmentos. Quanto à live acima mencionada, o CONAR ressalta:

A denúncia cita a falta de mecanismo de restrição de acesso ao conteúdo das lives a menores de idade e a repetida apresentação de ingestão de cerveja, em potencial estímulo ao consumo irresponsável do produto” – CONAR

É importante não considerar as lives apenas como um gerador de visibilidade para os sertanejos ou quaisquer outros artistas. Ou seja, não se trata apenas de uma transmissão ao vivo. Ao considera-la assim, incorremos ao risco de acometimentos como o de Gusttavo Lima. Para colher bons frutos dessa ação, é preciso agir com expertise e contar com uma qualificada equipe de profissionais para nortear as ações e identificar as melhores oportunidades para cada caso, e é neste contexto que a publicidade ganha espaço de atuação.

Nesta esfera das transformações, a publicidade passa a se renovar quase diariamente, sendo muito importante estar sempre atenta às novas ferramentas e funcionalidades para desenvolver ações de maneira eficiente. Acredito que, nas lives o segredo parece estar em fazer com que as pessoas percebam valor nas ações e isso só é possível se você proporcionar experiências únicas.

Muito mais que um evento sertanejo, estes artistas deram um verdadeiro show de apropriação da esfera digital em meio a um contexto de crise. Apoiados em ferramentas midiáticas, permitiram que seus fãs participassem e se sentissem parte do ambiente, vivenciando uma experiência positiva com o cantor, e automaticamente estes admiradores da música sertaneja passaram de influenciadores destes artistas à embaixadores e porta vozes dos mais diferentes sertanejos, aqui em específico, do cantor Gusttavo Lima.

Para finalizar este texto, me aproprio de uma citação da Silvana Torres que faz uma analogia da publicidade/meios de comunicação offline com a online: “antes, usávamos uma bola de canhão para um monte de formiguinhas. Agora, usamos uma balinha de chumbo para matar uma manada de elefantes”, e é justamente neste contexto que vejo as lives sertanejas associadas às novas ferramentas publicitárias, uma excelente ferramenta publicitária com potencial de gerar visibilidades inimagináveis em tempos de quarentena. E se, o estilo musical sertanejo alcançou tal feito, então viva o sertanejo.

O fato é que pouco se sabe sobre o futuro das lives pós pandemia, porém acredito que embora sofra mutações, esta ferramenta veio para ficar, e terá sempre, no contexto histórico de quaisquer escritos, teóricos ou não, as lives sertanejas como cases de sucesso. Muito poderíamos escrever sobre o momento atual, sobre os artistas sertanejos, sobre as lives, porém nos concentramos apenas em uma pequena análise que não roube a cena desta comemorativa data.

Nosso parabéns a todos artistas que fizeram e fazem da música sertaneja brasileira, um lugar de pertencimento de diferentes atores sociais.

Texto escrito pela Professora Kátia Balduíno, docente do curso de Publicidade e Propaganda

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