Publicado em 29 de abril de 2020
Em momentos como este, em que estamos em isolamento social, parece ficar mais evidente o valor da liberdade. Poder ir e vir, poder abraçar quem gostamos, poder até ficar mais relaxado em relação a alguns hábitos de higiene. Quem não gosta de ser livre?
Este, contudo, é um valor relativamente recente para a humanidade – a ideia de uma liberdade para todos – e uma luta permanente, pois não há liberdade sem direitos que garantam que esta seja, afinal, para todos.
No dia 3 de maio comemora-se o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, data celebrada pela Unesco para lembrar o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que trata do direito à liberdade de expressão e de opinião, o que inclui o direito de receber e produzir informações.
A expressão “liberdade de imprensa” surge para defender o direito de imprimir livremente, ou seja, sem necessidade de autorização prévia do governo. Isso num contexto em que, durante séculos, o único meio de propagação de ideias era o meio impresso (além da linguagem oral). A partir do século XX vimos uma explosão de novos meios de comunicação de massa, como o rádio, a TV e a internet, o que levou a ampliação do uso da palavra “imprensa”, entendida hoje como o conjunto de instituições que produzem informação jornalística.
Entretanto, a liberdade de imprensa não serve para que veículos de comunicação possam publicar livremente, ou mesmo para que os profissionais de imprensa possam trabalhar sem restrições. A liberdade de imprensa serve à sociedade, ao cidadão e à cidadã, para que possam eles próprios exercerem a sua liberdade.
O direito à informação é em si um direito fundamental, defendido desde o século XVIII por movimentos importantes, entre eles as revoluções Americana e Francesa, como um dos pilares que conceberam a Modernidade. É também reivindicado no documento da ONU sobre direitos humanos, do qual o Brasil, entre dezenas de nações, é um dos signatários.
Poder receber, produzir e acessar informações são vitais para o exercício da cidadania, para que possamos agir no espaço público, nos proteger, eleger ou destituir governantes, enfim, decidir e colaborar para o funcionamento do grupo social. Portanto, o direito à informação é em si um direito fundamental e é também um promotor e garantidor dos demais direitos civis, políticos e sociais.
Até o final do século XX, para se saber o que acontecia no mundo eram necessários veículos de imprensa que fizessem esta mediação. No contexto digital são múltiplas as fontes de informação, o que por um lado é um ponto forte para a democracia, mas, por outro, aumenta a poluição informativa e gera confusão sobre a confiabilidade das fontes. Claro que também podemos ter acesso a informações por meio de estudos ou participando diretamente de mobilizações sociais, por exemplo, porém esta não será a realidade para grande parte da população e também ninguém dá conta de se envolver ou se aprofundar em múltiplas áreas.
Uma imprensa livre permanece fundamental para a democracia e para o exercício da cidadania. O jornalismo sabe como reconhecer entre uma infinidade de acontecimentos os de relevância social, adota procedimentos para apuração dos dados e tem técnicas e formas para apresentar e distribuir estas informações. O jornalismo é o espaço do contraditório e, com a convicção de que não existe uma única verdade absoluta, é quem traz as várias versões da realidade. Liberdade traz ainda responsabilidade. Veículos e profissionais da imprensa podem e devem se responsabilizar por aquilo que publicam e temos mecanismos, tanto legais quanto deontológicos, para cobrar. Instituições democráticas fortalecidas por cidadãos esclarecidos têm competências também para isto.
Cobrar a responsabilidade não é calar a imprensa, isso se chama censura. Impedir que jornalistas trabalhem ou que veículos publiquem é um ataque aos direitos humanos, à cidadania e à democracia. Ainda que a Constituição brasileira garanta expressamente a liberdade de imprensa, não temos muito o que comemorar neste 3 de maio. Ataques verbais e físicos a profissionais, a judicialização como forma de intimidação e o uso da força pelo poder econômico são algumas das formas recorrentes no Brasil para censurar a imprensa.
É legítimo e democrático que governos, governantes, empresas, organismos do terceiro setor, enfim, possam expressar suas ideias e divulgar seus feitos por meio das mídias sociais ou de qualquer plataforma. No entanto, o que fazem ali é apresentar apenas a sua versão. Numa democracia, ainda é a imprensa que deve ter a liberdade garantida para questionar, confrontar, investigar e expor o que é de interesse da sociedade.
Agora, quem não gosta da liberdade de imprensa?
Professora Luciane Agnez, coordenadora da Pós-graduação em Jornalismo Digital e Produção Multimídia